OFICINA PLPs Data: 21.09.2019
TEMA DA OFICINA:
Cultura do estupro
Quando a oficina começou não
sabíamos qual o tema seria tratado. A Gabi questionou a todas as mulheres sobre
o que consideravam ser ‘cultura’?
Surgiram várias falas sobre o que
seria cultura: seriam os valores de uma sociedade, a sabedoria, a tradição,
algo que é passado de geração em geração, manifestações de povos que se
expressam de formas diversas, a literatura, a música, etc. Várias
definições surgiram nas manifestações das cursistas.
Foi nos questionado se as peças
artísticas a seguir seriam parte da cultura e o que elas sugeriam. Ouvimos Vidinha de Balada, dos
cantores Henrique e Juliano, vimos o trailer do filme “Eu não sou um homem
fácil” e foram lidos trechos de dois livros: Macunaíma, do Mário de
Andrade, e Capitães de Areia, do Jorge Amado. Nos dois trechos lidos, há
relato de estupro.
Após ouvir, foram muitos os
comentários sobre a música, filme e trechos dos livros, pois era evidente que o
que tinham em comum era a naturalização do machismo, a expressão mais cruel do
assédio, e a violência. Havia algo de perverso. A música é apresentada como uma
música romântica, sugerindo que a única forma de amor possível é a permeada
pela violência. A mulher não tem voz tanto na música, quanto na literatura, ela
é objetificada.
Atentou-se, não de forma a
justificar, o contexto histórico em que os livros foram escritos. Essa questão,
na verdade, revela que, apesar do longo período histórico que perpassa os
livros e a música apresentada, produções artísticas muito atuais seguem
reproduzindo o machismo e a violência contra as mulheres como algo natural. O
livro Macunaíma, por exemplo, foi escrito em 1928, naquela data as mulheres
ainda não tinham direito à voto no Brasil, o que somente foi conquistado em
1932. O livro do Jorge Amado foi escrito em 1937. A música apresentada, no
entanto, é de 2018. Na perspectiva histórica, a sensação relatada é a de que
nada mudou.
Foi trazido como exemplo a Ação
Civil Pública ajuizada contra a música “Tapinha não dói”, para condenar
a Furacão 2000 e a Sony Music por incitação à violência contra a mulher. Há um
discurso de aparente tensão entre cultura do estupro e liberdade
artística. O que se quer não é a censura
de produções culturais, mas a responsabilização do estado e um posicionamento
do sistema de justiça quanto ao cumprimento das Convenções Internacionais
(CEDAW e Belém do Pará) aos quais o Brasil é signatário. Infelizmente, o sistema
de justiça também reproduz o machismo ao se posicionar no caso. É uma discussão
complexa, que precisa ser debatida de forma ampla na sociedade. Mulheres no
funk e no rap que têm produzido músicas a partir da desconstrução de gênero,
raça e classe, sobretudo a partir de uma perspectiva de empoderamento.
Ouvir e dar voz às mulheres da periferia é necessário nesse tema. É preciso que
seja dito: não há estilo musical que se salve quando se trata de reproduzir a
violência contra as mulheres. É necessário cuidar para não se levantar a
bandeira de um discurso racista e classista quando se faz essa crítica.
Cultura do estupro,
portanto, é uma cultura que naturaliza a violência contra as mulheres que
influencia como a polícia, as mulheres vítimas, as famílias vão tratar o tema.
A cultura do estupro é baseada na violência de direitos humanos contra as
mulheres. Para melhor compreensão, passou-se o vídeo
“2 minutos para entender - Cultura
do
Estupro”,
feito pela Revista Superinteressante.
O consentimento é sempre o
limitador. Após o não, é tudo assédio.
Também foram relatadas as
barreiras no acesso à justiça de mulheres que foram estupradas ou sofreram
assédio. Foi feito um relato especialmente chocante de uma mulher que foi
registrar na delegacia e sofreu uma dupla violência pelas perguntas feitas pelo
servidor que a atendeu. As delegacias da mulher precisam estar preparadas para
atender esses casos, mas também é nosso direito sermos atendidas nas delegacias
comuns sem sofrer violência ou nos sentirmos intimidadas.
Foi ressaltada a importância de
falarmos no nosso núcleo de relacionamento para desmistificar a cultura do
estupro e estarmos atentas aos relacionamentos abusivos. Sempre há
sinais da pessoa ser violenta, mas a família, a sociedade atenuam, justificam e
naturalizam com base em argumentos machistas.
Enquanto dominações estruturais, o
machismo, o assédio, o racismo, a homofobia e a cultura do estupro devem ser
combatidos. Sem dúvida, manifestações veiculadas por meio da música, da
televisão e da escrita refletem e, por vezes, fomentam esse sistema. Porém, há
também uma crescente produção de manifestações culturais que rompem com essas
lógicas, desde a forma como são gestadas até a mensagem que levam para o mundo.
Na arte, na vida cotidiana, na política -- que é inevitável de não se fazer
quando nos tornamos mulheres --, estamos produzindo resistências.
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