segunda-feira, 7 de outubro de 2019

[21.09.2019] 20ª OFICINA PROMOTORAS LEGAIS POPULARES CEILÂNDIA





OFICINA PLPs Data: 21.09.2019

TEMA DA OFICINA: Cultura do estupro


Quando a oficina começou não sabíamos qual o tema seria tratado. A Gabi questionou a todas as mulheres sobre o que consideravam ser ‘cultura’?

Surgiram várias falas sobre o que seria cultura: seriam os valores de uma sociedade, a sabedoria, a tradição, algo que é passado de geração em geração, manifestações de povos que se expressam de formas diversas, a literatura, a música, etc. Várias definições surgiram nas manifestações das cursistas.

Foi nos questionado se as peças artísticas a seguir seriam parte da cultura e o que elas sugeriam.  Ouvimos Vidinha de Balada, dos cantores Henrique e Juliano, vimos o trailer do filme “Eu não sou um homem fácil” e foram lidos trechos de dois livros: Macunaíma, do Mário de Andrade, e Capitães de Areia, do Jorge Amado. Nos dois trechos lidos, há relato de estupro.

Após ouvir, foram muitos os comentários sobre a música, filme e trechos dos livros, pois era evidente que o que tinham em comum era a naturalização do machismo, a expressão mais cruel do assédio, e a violência. Havia algo de perverso. A música é apresentada como uma música romântica, sugerindo que a única forma de amor possível é a permeada pela violência. A mulher não tem voz tanto na música, quanto na literatura, ela é objetificada.

Atentou-se, não de forma a justificar, o contexto histórico em que os livros foram escritos. Essa questão, na verdade, revela que, apesar do longo período histórico que perpassa os livros e a música apresentada, produções artísticas muito atuais seguem reproduzindo o machismo e a violência contra as mulheres como algo natural. O livro Macunaíma, por exemplo, foi escrito em 1928, naquela data as mulheres ainda não tinham direito à voto no Brasil, o que somente foi conquistado em 1932. O livro do Jorge Amado foi escrito em 1937. A música apresentada, no entanto, é de 2018. Na perspectiva histórica, a sensação relatada é a de que nada mudou.

Foi trazido como exemplo a Ação Civil Pública ajuizada contra a música “Tapinha não dói”, para condenar a Furacão 2000 e a Sony Music por incitação à violência contra a mulher. Há um discurso de aparente tensão entre cultura do estupro e liberdade artística.  O que se quer não é a censura de produções culturais, mas a responsabilização do estado e um posicionamento do sistema de justiça quanto ao cumprimento das Convenções Internacionais (CEDAW e Belém do Pará) aos quais o Brasil é signatário. Infelizmente, o sistema de justiça também reproduz o machismo ao se posicionar no caso. É uma discussão complexa, que precisa ser debatida de forma ampla na sociedade. Mulheres no funk e no rap que têm produzido músicas a partir da desconstrução de gênero, raça e classe, sobretudo a partir de uma perspectiva de empoderamento. Ouvir e dar voz às mulheres da periferia é necessário nesse tema. É preciso que seja dito: não há estilo musical que se salve quando se trata de reproduzir a violência contra as mulheres. É necessário cuidar para não se levantar a bandeira de um discurso racista e classista quando se faz essa crítica.

Cultura do estupro, portanto, é uma cultura que naturaliza a violência contra as mulheres que influencia como a polícia, as mulheres vítimas, as famílias vão tratar o tema. A cultura do estupro é baseada na violência de direitos humanos contra as mulheres. Para melhor compreensão, passou-se o vídeo “2 minutos para entender - Cultura do Estupro, feito pela Revista Superinteressante.




O consentimento é sempre o limitador. Após o não, é tudo assédio.

Também foram relatadas as barreiras no acesso à justiça de mulheres que foram estupradas ou sofreram assédio. Foi feito um relato especialmente chocante de uma mulher que foi registrar na delegacia e sofreu uma dupla violência pelas perguntas feitas pelo servidor que a atendeu. As delegacias da mulher precisam estar preparadas para atender esses casos, mas também é nosso direito sermos atendidas nas delegacias comuns sem sofrer violência ou nos sentirmos intimidadas.

Foi ressaltada a importância de falarmos no nosso núcleo de relacionamento para desmistificar a cultura do estupro e estarmos atentas aos relacionamentos abusivos. Sempre há sinais da pessoa ser violenta, mas a família, a sociedade atenuam, justificam e naturalizam com base em argumentos machistas.

Enquanto dominações estruturais, o machismo, o assédio, o racismo, a homofobia e a cultura do estupro devem ser combatidos. Sem dúvida, manifestações veiculadas por meio da música, da televisão e da escrita refletem e, por vezes, fomentam esse sistema. Porém, há também uma crescente produção de manifestações culturais que rompem com essas lógicas, desde a forma como são gestadas até a mensagem que levam para o mundo. Na arte, na vida cotidiana, na política -- que é inevitável de não se fazer quando nos tornamos mulheres --, estamos produzindo resistências.


 Relatoria da cursista Lívia Zanatta


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