5ª OFICINA DE 2024
11 de Maio de 2024
"Minha
mãe me deu ao mundo de maneira singular. Me dizendo uma sentença: pra eu sempre pedir licença,
mas nunca deixar
de entrar" (Tudo de Novo, Maria Bethânia e Caetano Veloso).
“Nós, mulheres negras do Brasil, irmanadas com as mulheres do
mundo afetadas pelo racismo, sexismo, lesbofobia, transfobia e outras formas de
discriminação, estamos em marcha. Inspiradas em nossa ancestralidade, somos
portadoras de um legado que afirma um novo pacto civilizatório”.
( Trecho introdutório da Carta da Marcha das Mulheres Negras .18 de nov. de 2015 )
Nossa oficina teve como "esquenta" uma dinâmica
que consistia em andarmos, todas, pela sala, em movimentos lentos e livres. E,
ao toque de "pare!", dado pela PLP Carol, parávamos e, com os olhos fechados, devíamos responder a algumas
perguntas sobre sinais visuais que observamos umas nas outras, tais como
"quantas ali vestindo calça,
quantas com uma determinada tatuagem, quantas
de blusa azul, etc". Um exercício
de sensibilidade visual. De como vemos e percebemos o/a outro/a com quem convivemos. E houve uma pergunta provocativa: Quantas pessoas na sala são
brancas e quantas negras? Para essa não nos foi cobrada uma resposta. Apenas serviu como questão
motivadora para o tema do encontro, qual seja, a construção da identidade negra.
Em seguida, formamos alguns grupos para lermos
textos sobre questões etnicorraciais. Um grupo foi formado por mulheres que se
entendem como negras (pretas ou
pardas), outro pelas que se autodeclaram brancas e o terceiro, por mulheres que
ainda estão num processo de busca da identidade racial ou que não o sabem.
Os textos discorriam sobre o legado nefasto do racismo e
seus efeitos sobre nossa capacidade
de autodeclaração da identidade etnicorracial e sobre quão delicado foi esse
processo, pois que viemos de uma estrutura que se ocupou em nos fazer admirar e
submeter aos valores e padrões da
civilização eurocêntrica. Os textos falavam, também, sobre como a instituição
Escola teve e ainda tem, em muitos aspectos, papel fundamental na reprodução da
ideia da supremacia branca, bem como tem a responsabilidade, a partir,
sobretudo, da Lei 10.639/2003, de fomento à luta por uma educação antirracista
no Brasil.
Após a leitura, formamos um grande grupo e, voluntariamente, muitas de nós fizemos a exposição do que lemos. Passamos a refletir e dialogar sobre o que é ser negro/a no Brasil e suas implicações no nosso processo de reconhecimento de nossa história e de nossa ancestralidade. E foi consensual a ideia de que houve a tentativa ideológica de apagamento da história e da cultura afro-brasileira, para fins de subalternização física, mental e intelectual e de silenciamento das vozes negras. Houve um esforço, pela classe branca e privilegiada, de desenvolver nas mentes e nos corpos negros uma necessidade real e simbólica de “embranquecimento”, se quiséssemos, negros/as, ser social e humanamente aceitos.
Fizemos pausa para um delicioso lanche e logo depois, tivemos
um momento com a
PLP Mariana, que veio contribuir com as reflexões sobre racismo e como as
questões raciais atravessam e afetam as mulheres negras, em especial.
Ela distribuiu 2 textos do livro autobiográfico Quarto de
Despejo: Diário de uma favelada, da escritora Carolina Maria de Jesus. Os
textos são o relato de 2 dias na vida dessa mulher, preta, mãe solo de três
filh@s, muito pobre, moradora de uma favela no Estado de São Paulo nos anos de
1960, que todos os dias saía muito cedo de casa, para o
corre do ganha pão. Catando papelão, pedindo ossos nos açougues, recolhendo
restos de comida… E contemplando a vida livre e sem miséria dos pássaros, a
beleza (para ela) da cidade, que lhe parecia cheia de palácios e riquezas, se punha a acumular
pensamentos. Pensamentos e revoltas que, à noite, tendo - ou não - alimentado a
si e a seus filh@s, ela se punha a relatar. Escrevia observações sobre sua saga pela sobrevivência e sobre suas percepções doridas acerca da vida dos
negros e negras como ela. Carolina denunciava as desigualdades de gênero, de raça e de
classe. E foram esses três enfoques que a promotora Mariana pediu que a gente
identificasse e destacasse nos textos em análise.
Carolina Maria de Jesus tinha consciência da opressão que
sofria por ser mulher, por ser negra
e por ser favelada, vivendo na pobreza extrema. Seu olhar crítico sobre
injustiça social, sobre os agentes do poder público (políticos) e sobre a
democracia como sistema de governo transpassa a todo momento sua percepção
sobre o mundo em que vivia. E, em algumas passagens de seus relatos, ela se
mostrava cética em relação às promessas que ouvia de políticos e candidatos.
A escrita de Carolina Maria de Jesus era solitária, como toda escrita. Mas o seu processo criativo se misturava com o caos que era sua existência. Muitas vezes escrevia com fome, com dores no corpo e na alma. Preocupada com as agruras do dia que estava por vir. Preocupada com os perigos que seus filh@s corriam, sendo negr@s. Era uma mulher sagaz. Tinha consciência política, era semi analfabeta, mas falava e escrevia com eloquência. Morava em um lugar paupérrimo, mas sabia o que era morar bem, de tanto que observava os “palácios” que via na cidade. Não acreditava no poder público, mas sabia o que era ter uma vida digna, de tanto observar - e desejar - a vida das pessoas bem alimentadas e felizes que sabia existirem.
Quando terminamos a leitura, em pequenos grupos, abrimos
uma grande roda para exposição de nossa compreensão e
análise dos textos. E foi nesse momento que Mariana abriu uma discussão acerca do Feminismo Negro e
da importância da interseccionalidade. E de como Carolina Maria de
Jesus ocupa lugar muito importante na literatura feminista e no Feminismo
Negro.
Se estivesse viva, Carolina Maria de Jesus
provavelmente teria marchado, naquele novembro
de 2015, junto
com as mais de 50 mil mulheres, na Marcha das Mulheres Negras, contra o racismo, a violência e
pelo Bem Viver, reivindicando um novo pacto civilizatório. Afinal, lá atrás, em
1960, foi ela quem escreveu: “para mim o mundo em vez de evoluir está retornando a primitividade..."
(Quarto de Despejo)
Foi
uma oficina muito farta de alimento. Para nosso corpo (ah, só lanches gostosos!) e para nossa compreensão de
mundo. Sou só gratidão!
Relatoria: Fia (Alcioneides Novais)
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