sexta-feira, 24 de maio de 2024

5ª OFICINA DE 2024

                                                    5ª OFICINA DE 2024

                                                    11 de Maio de 2024


"Minha mãe me deu ao mundo de maneira singular. Me dizendo uma sentença: pra eu sempre pedir licença, mas nunca deixar de entrar" (Tudo de Novo, Maria Bethânia e Caetano Veloso).

 

“Nós, mulheres negras do Brasil, irmanadas com as mulheres do mundo afetadas pelo racismo, sexismo, lesbofobia, transfobia e outras formas de discriminação, estamos em marcha. Inspiradas em nossa ancestralidade, somos portadoras de um legado que afirma um novo pacto civilizatório”.

( Trecho introdutório da Carta da Marcha das Mulheres Negras .18 de nov. de 2015 )


Nossa oficina teve como "esquenta" uma dinâmica que consistia em andarmos, todas, pela sala, em movimentos lentos e livres. E, ao toque de "pare!", dado pela PLP Carol, parávamos e, com os olhos fechados, devíamos responder a algumas perguntas sobre sinais visuais que observamos umas nas outras, tais como "quantas ali vestindo calça, quantas com uma determinada tatuagem, quantas de blusa azul, etc". Um exercício de sensibilidade visual. De como vemos e percebemos o/a outro/a com quem convivemos. E houve uma pergunta provocativa: Quantas pessoas na sala são brancas e quantas negras? Para essa não nos foi cobrada uma resposta. Apenas serviu como questão motivadora para o tema do encontro, qual seja, a construção da identidade negra.

Em seguida, formamos alguns grupos para lermos textos sobre questões etnicorraciais. Um grupo foi formado por mulheres que se entendem como negras (pretas ou pardas), outro pelas que se autodeclaram brancas e o terceiro, por mulheres que ainda estão num processo de busca da identidade racial ou que não o sabem.

Os textos discorriam sobre o legado nefasto do racismo e seus efeitos sobre nossa capacidade de autodeclaração da identidade etnicorracial e sobre quão delicado foi esse processo, pois que viemos de uma estrutura que se ocupou em nos fazer admirar e submeter aos valores e padrões da civilização eurocêntrica. Os textos falavam, também, sobre como a instituição Escola teve e ainda tem, em muitos aspectos, papel fundamental na reprodução da ideia da supremacia branca, bem como tem a responsabilidade, a partir, sobretudo, da Lei 10.639/2003, de fomento à luta por uma educação antirracista no Brasil.

Após a leitura, formamos um grande grupo e, voluntariamente, muitas de nós fizemos a exposição do que lemos. Passamos a refletir e dialogar sobre o que é ser negro/a no Brasil e suas implicações no nosso processo de reconhecimento de nossa história e de nossa ancestralidade. E foi consensual a ideia de que houve a tentativa ideológica  de  apagamento  da  história  e  da  cultura  afro-brasileira,  para  fins  de subalternização física, mental e intelectual e de silenciamento das vozes negras. Houve um esforço, pela classe branca e privilegiada, de desenvolver nas mentes e nos corpos negros uma necessidade real e simbólica de “embranquecimento”, se quiséssemos, negros/as, ser social e humanamente aceitos.

Fizemos pausa para um delicioso lanche e logo depois, tivemos um momento com a PLP Mariana, que veio contribuir com as reflexões sobre racismo e como as questões raciais atravessam e afetam as mulheres negras, em especial.

Ela distribuiu 2 textos do livro autobiográfico Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, da escritora Carolina Maria de Jesus. Os textos são o relato de 2 dias na vida dessa mulher, preta, mãe solo de três filh@s, muito pobre, moradora de uma favela no Estado de São Paulo nos anos de 1960, que todos os dias saía muito cedo de casa, para o corre do ganha pão. Catando papelão, pedindo ossos nos açougues, recolhendo restos de comida… E contemplando a vida livre e sem miséria dos pássaros, a beleza (para ela) da cidade, que lhe parecia cheia de palácios e riquezas, se punha a acumular pensamentos. Pensamentos e revoltas que, à noite, tendo - ou não - alimentado a si e a seus filh@s, ela se punha a relatar. Escrevia observações sobre sua saga pela sobrevivência e sobre suas percepções doridas acerca da vida dos negros e negras como ela. Carolina denunciava as desigualdades de gênero, de raça e de classe. E foram esses três enfoques que a promotora Mariana pediu que a gente identificasse e destacasse nos textos em análise.

Carolina Maria de Jesus tinha consciência da opressão que sofria por ser mulher, por ser negra e por ser favelada, vivendo na pobreza extrema. Seu olhar crítico sobre injustiça social, sobre os agentes do poder público (políticos) e sobre a democracia como sistema de governo transpassa a todo momento sua percepção sobre o mundo em que vivia. E, em algumas passagens de seus relatos, ela se mostrava cética em relação às promessas que ouvia de políticos e candidatos.

A escrita de Carolina Maria de Jesus era solitária, como toda escrita. Mas o seu processo criativo se misturava com o caos que era sua existência. Muitas vezes escrevia com fome, com dores no corpo e na alma. Preocupada com as agruras do dia que estava por vir. Preocupada com os perigos que seus filh@s corriam, sendo negr@s. Era uma mulher sagaz. Tinha consciência política, era semi analfabeta, mas falava e escrevia com eloquência. Morava em um lugar paupérrimo, mas sabia o que era morar bem, de tanto que observava os “palácios” que via na cidade. Não acreditava no poder público, mas sabia o que era ter uma vida digna, de tanto observar - e desejar - a vida das pessoas bem alimentadas e felizes que sabia existirem.

Quando terminamos a leitura, em pequenos grupos, abrimos uma grande roda para exposição de nossa compreensão e análise dos textos. E foi nesse momento que Mariana abriu uma discussão acerca do Feminismo Negro e da importância da interseccionalidade. E de como Carolina Maria de Jesus ocupa lugar muito importante na literatura feminista e no Feminismo Negro.

Se estivesse viva, Carolina Maria de Jesus provavelmente teria marchado, naquele novembro de 2015, junto com as mais de 50 mil mulheres, na Marcha das Mulheres Negras, contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver, reivindicando um novo pacto civilizatório. Afinal, lá atrás, em 1960, foi ela quem escreveu: “para mim o mundo em vez de evoluir está retornando a primitividade..." (Quarto de Despejo)

Foi uma oficina muito farta de alimento. Para nosso corpo (ah, lanches gostosos!) e para nossa compreensão de mundo. Sou só gratidão!

Relatoria: Fia (Alcioneides Novais)





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